domingo, março 30, 2008


Censura empresarial ataca também na Internet
por Hamilton Octavio de Souza


O rompimento unilateral do contrato do portal iG com o jornalista Paulo Henrique Amorim, no dia 18 de março, provocou e continua provocando um razoável debate entre blogueiros, jornalistas e ativistas e entusiastas da Internet.


Não é a primeira vez que deparamos com censura expressa a sites, blogs e colaboradores de portais – o que tem derrubado a tese dos mais ufanistas sobre o papel quase exclusivo da Internet no processo real de democratização das comunicações e da sociedade.


O cartunista Latuf já teve seus cartoons censurados e perseguidos via Internet. Vários veículos da imprensa alternativa popular não conseguem hospedar seus sites em portais controlados por grandes grupos econômicos – mesmo aqueles que se auto-proclamam democráticos e dedicados exclusivamente à comunicação social.


Ao mesmo tempo, cresce o número de casos de blogs retirados do ar por portais e provedores, especialmente quando os conteúdos estão relacionados com a mobilização social e as lutas de setores da sociedade. Isso aconteceu, em 2007, com blogs de estudantes universitários em momentos de ocupação de reitorias.


O curioso nessa situação é que os “controladores” do novo espaço “democrático” que se abriu com a Internet, são praticamente os mesmos que atuam na grande imprensa burguesa e utilizam os mesmos métodos dos que exercem a censura e o controle dos conteúdos nos principais veículos do País. Os registros mais graves comprovam que as restrições partem das forças dominantes em defesa de seu modelo econômico e de seus interesses hegemônicos ou, ainda, de grupos empenhados em disputas empresariais que utilizam a comunicação para seus objetivos estratégicos.


No caso específico da saída de Paulo Henrique Amorim do portal iG, o comunicado do diretor-presidente Caio Túlio Costa se restringiu a afirmar, em primeiro lugar, laconicamente, que o iG “descontinuou o contrato com o jornalista...” e, em seguida, esclareceu que “Descontinuar colaborações faz parte da vida das empresas e da vida dos jornalistas”. Ou seja, a Internet segue o mesmo padrão das empresas privadas em relação à pauta e à escolha de seus empregados, com a única diferença de que na “nova situação” não existe vínculo empregatício.


Nos esclarecimentos que deu sobre a “rescisão” de seu contrato, o jornalista Paulo Henrique Amorim atribuiu ao banqueiro e empresário Daniel Dantas a responsabilidade pelo ato de censura, já que o site Conversa Afiada apresentou seguidas matérias sobre os negócios e os métodos utilizados pelo banqueiro nas disputas bilionárias das empresas de telecomunicações.
A saída não devidamente esclarecida de Amorim do iG provocou a reação imediata do conceituado jornalista Mino Carta, diretor da revista Carta Capital e também autor de um blog hospedado no mesmo portal. Mino protestou, saiu do iG e deixou novas pistas sobre o que estaria por trás dessa censura. Ele escreveu: “Não me permitirei conjecturas em relação ao poder mais alto que se alevanta e exige o afastamento. O leque das possibilidades não é, porém, muito amplo. Basta averiguar quais foram os alvos das críticas negativas de Paulo Henrique neste tempo de Conversa Afiada.”


A reação do público que tem acesso à Internet foi imediata e, já no dia seguinte, em menos de 24 horas, o blog de Mino Carta registrava 742 mensagens sobre o ocorrido – a maior parte endossando os protestos contra a censura imposta num portal e o abrupto rompimento de contrato com o jornalista.


Tudo indica que esse tipo de situação tende a se tornar mais freqüente na Internet, em especial nos espaços controlados pelas grandes empresas ou suscetíveis de pressões políticas de governos e das classes dominantes. O que fica claro – nas várias formas de cerceamento – já identificadas é que o sistema de oligopólio das comunicações se reproduz exatamente onde se imaginava que era possível escapar do controle ideológico e dos interesses comerciais.


O caso de Amorim reforça que a luta pela democratização da sociedade brasileira passa obrigatoriamente pela democratização do sistema de radiodifusão, do sistema de satélites de comunicação e de todo o sistema que articula a Internet.


Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.

Sem comentários: