segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Eleições nos Estados Unidos: Veja o artigo publicado na edição de fevereiro da Revista CarosAmigos.

Obama, um falso brilhante entre medíocres
por José Arbex Jr.

A campanha do senador Barack Obama (de Illinois), candidato a candidato do Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos, fornece uma chave para a compreensão do que se passa hoje no país. Ninguém levava a sua précandidatura realmente a sério, até a realização das primárias do partido, em Iowa, no começo de janeiro, quando ele derrotou a favorita Hillary Clinton. E a “zebra” quase se repetiu, em 8 de janeiro, nas primárias de New Hampshire. Agora, ninguém mais acha absurda a hipótese de os Estados Unidos elegerem o seu primeiro presidente negro. Como explicar?Em primeiro lugar, e de longe o dado mais importante: em 2003, Obama se opôs à invasão militar do Iraque, ao contrário de Hillary e de toda a alta cúpula do Partido Democrata (a ex-primeira-dama, diga-se de passagem, não apenas aprovou a aventura militar de George Bush, como também apoiou com entusiasmo o bombardeio de Beirute por Israel, em 2006). Ora, a questão central da atual campanha eleitoral consiste, precisamente, no debate sobre como resolver o pesadelo que Bush criou para os Estados Unidos no Iraque. Obama é o único candidato que pode falar o que quiser a respeito, sem parecer oportunista, cínico ou, simplesmente, “espertalhão”. E ele oferece uma perspectiva clara: retirada de todas as tropas, no ritmo mais acelerado possível (defende o prazo de 31 de março de 2008).Cansados de Bush Outra parte da resposta é dada pelo principal eixo da campanha de Obama: mudança. Ele diz abertamente que os anos Bush quebraram os Estados Unidos, dividiram a nação e atraíram o ódio do planeta. Numa crítica mordaz ao Congresso (incluindo parte dos deputados de seu próprio partido), diz que pretende deixar o Legislativo “antes que toda esperança seque dentro de mim”. Com isso, Obama dialoga diretamente com todos os que se sentem cansados das aventuras de Bush e com os que já não acreditam mais “nos políticos”.Não por acaso, depois das primárias de Iowa, todos os pré-candidatos, incluindo os do Partido Republicano, incluíram a palavra “mudança” em seus respectivos discursos. Sua história pessoal o credencia para falar como “cidadão do mundo”: Barack (“abençoado”, em árabe) é fi lho de africano (seu pai, nascido numa pequena vila, no Quênia, ganhou uma bolsa para estudar na Universidade do Havaí, onde conheceu sua mãe, durante uma aula de russo), é neto de muçulmanos,passou a infância na Indonésia e abriu o caminho para, de volta aos Estados Unidos, formar-se em direito, em Harvard.Em seu livro de memórias, conta que usou drogas na adolescência, e que era atormentado por questões raciais, agravadas por ter sido criado em um lar desfeito (seu pai abandonou sua mãe quando ele tinha 2 anos). Assim, ele personifi ca, de certa forma, o velho sonho da mítica América como a “terra das oportunidades”. É a face oposta da América de Bush, oriundo de uma tradicional família da elite branca. E também representa o self made man contra o poder da recente dinastia Clinton.Estranho no ninho?O seu grande trunfo reside muito mais na sua imagem de “estranho no ninho” de cobras de Washington do que em seu programa eleitoral, que não é muito diferente do apresentado pelos outros candidatos democratas. Embora seja favorável ao direito ao aborto e se oponha a uma legislação nacional proibindo casamento entre seres do mesmo sexo, Obama apóia o “endurecimento” contra os imigrantes ilegais (é favorável à nova legislação proposta por Bush) e propõe, no máximo, algumas medidas cosméticas para “disciplinar” o neoliberalismo desenfreado da era Bush. Como outros democratas, também propõe medidas para conter a emissão de carbono, favorece pesquisas com células-tronco e uma reforma tributária que atenue um pouco o sofrimento dos mais pobres.Quando questionado por Hillary sobre o ponto mais diferenciado de sua campanha – as conseqüências regionais e mundiais de uma rápida retirada das tropas do Iraque –, Obama joga o problema para a comunidade das nações. Diz que uma solução estável e realista depende de a Casa Branca recuperar o seu prestígio planetário, abalado pelos republicanos.E aproveita para estocar Bill Clinton (principal cabo eleitoral de sua mulher), que não poupa elogios ao ex-presidente Ronald Reagan, o grande precursor do neoliberalismo nos Estados Unidos. O recado é claro: Bill e Hillary são farinha do mesmo saco conservador que abriga Bush e os demais. Com esse discurso, Obama atrai o apoio de jovens, intelectuais e de atores bem conhecidos, como Tom Hanks, Jodie Foster, Will Smith e Paul Newman. Do lado do Partido Republicano, a confusão é imensa. Se, entre os democratas, os nomes de Hillary e Obama aparecem como os mais prováveis, ninguém ousa prever nada sobre o partido de Bush. Mesmo alguns dos críticos de Junior, como o senador John Mc- Cain, não conseguem se distanciar do fiasco no Iraque e de suas trágicas conseqüências.Se a palavra “mudança” soa falsa nos lábios dos democratas, parece uma piada quando pronunciada pelos republicanos. Sem alternativas políticas reais a oferecer ao partido e ao país, alguns de seus pré-candidatos tendem a radicalizar a plataforma religiosa, tentando captar as simpatias dos evangélicos fundamentalistas, como é o caso de Mike Huckabee (ex-governador de Arkansas): questões como o direito ao aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo ganham relevância sobre todas as outras.Nem sinal de mudançasA não ser pela “novidade” representada por Obama – mais de aparência do que de substância–, o quadro eleitoral dos Estados Unidos constitui uma monótona mediocridade. Mediocridade perigosa, numa situação mundial seriamente ameaçada por crescentes tensões regionais – especialmente no Oriente Médio –, pelo desastre ambiental e por sinais de tormentas econômicas no horizonte. Não há nenhum sinal de grandes “mudanças”, como promete Obama. E talvez esteja aí o dado mais importante: quando a opinião pública estadunidense se convencer de que terá mais do mesmo, é possível que a luta de classes se faça novamente visível nos Estados Unidos.José Arbex Jr. é jornalista.

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